Em outro espaço, recentemente escrevi que estou vivendo um
momento particularmente, angustiante, não por razões familiares e ou pessoais,
mas exatamente pela quantidade de órbitas terrestre percorridas.
A saúde vai bem , portanto nem nesse departamento se origina essa angustia, ela é fruto direto
da possibilidade de poder ver a vida principalmente a na qual estamos
inseridos, em um corte vertical.
Vou tentar explicar; eu nasci no século passado , no qual
vivi cerca de cincoenta e tantas órbitas,
quando digo vivi, quero dizer que não deixei a vida passar por mim, mas
estava inserido nessa vida. Desde muito cedo não conseguia entender que alguém
doente, para se curar deveria pagar e caro o necessário remédio.
Lembro-me desse período, que meu pai, precisando de dinheiro
para comprar o almejado terreno para construir
sua casa, recebeu de um amigo o valor do dito terreno, para pagar como
pudesse, até aí tudo bem, mas via também todo o mês meu pai, logo do recebimento do seu salário,
separar o dinheiro para pagar o dito empréstimo, e nós vivíamos com o que
sobrava do dito salário, o que nos obrigava a criar galinhas, vender seus ovos,
plantar no terreno legumes e temperos que eram vendidos pela vizinhança, para
reforçar a renda e ao mesmo tempo ter carne, ovos e legumes para reforçar
nossas refeições.
Ao longo desse
período de vida,vi as mudanças, tanto no aspecto respeito e educação, tanto
quanto nos deveres que tínhamos, para com os nossos professores, os mais
velhos, o pároco o pastor, se irem
degradando a um ponto em que os nossos deveres se transmudaram em nossos
direitos.
Os políticos se transmudarem de tribunos, em arrotadores de asneiras e ou sandices,
especialistas em falarem o que o povo quer ouvir, adaptando suas falas aos
estratos sociais em que se encontram; o respeito, o interesse coletivo transformado em interesse de classes e ou
individuais.
Agora que estou no tempo em que os idiotas chamam, de forma
politicamente correta de terceira idade,
fico enchouriçado com essa
quantidade de leis; lei para não cuspir na rua, lei para a proteção do idoso,
lei para a proteção do nascituro, lei da Maria da Penha para proteger a mulher
da agressão do marido, companheiro ou eventual, lei da Débora Secco, para
proteger as pessoas de terem suas idiotices armazenadas em computadores e ou
telefones celulares roubadas por expertos.
Antanho tínhamos
somente o Código Penal onde todas essas violações estavam previstas, e
se o indigitado desrespeitasse um idoso, se não sofria pena de perda de
liberdade, sofria a sanção social do seu meio sendo por todos apontado com um
refinado malcriado, e não sendo convidado para festas e ou eventos da
comunidade.
E pó aí vai, eu como velho não quero filas especiais, nos
bancos, nos cartórios, não quero caixas especiais nos mercados, nas farmácias,
não quero bancos especiais nos ônibus, não quero passagens e ou
entradas gratuitas em nenhum desses lugares, quero continuar a ser tratado com
o mesmo respeito que tinha aos trinta
anos, não quero benesses promovidas por
essa enorme hipocrisia chamada
“Politicamente correto”.
Sou velho, já não falo em anos vividos, mas em órbitas
percorridas, mas sou velho, não deixei a vida esvair pelos dedos, a usufrui, quando pequeno,
lambuzei a boca com mangas colhidas na hora, comi amoras, goiabas, pitangas,
peras, laranjas, carambolas, jambo, cajás-manga, nêsperas, figos, Maria pretinha (vejam a hipocrisia, hoje
deveria dizer Maria Afro descendente), ingás,
jatobás, de cujos caroços fiz muitos anéis, milho verde assado nas fogueiras
que fazíamos com gravetos recolhidos aqui e ali. Chupei muito limão com sal,
estudei em uma escola, D.Zalina Rolim aonde os professores, para nós eram
pessoas idolatradas por sua postura e pelo amor que tinham por seu trabalho e
por nós seus alunos.
Empinei muitos quadrados nas tardes friorentas do outono,
joguei muita bolinha de gude, joguei muito pião, comi muito pinhão cozido, muita batata doce assada nas brasas
das fogueiras junjnas, mas nunca desrespeitamos, tanto eu como meus
colegas,aos mais velhos, sequer o Zéca, um descapacitado, que não ofendia
ninguém era prestativo, ajudando as senhoras mais velhas para carregar suas cestas de compras, no seu
retardo, um profeta, pois pegava latas de sardinha furava em uma se
suas laterais, e falava nelas como hoje fazemos com nossos celulares.
Tínhamos espaço em nossas igrejas para atividades sociais,
tanto a Metodista ali no começo da Rua
Edgar de Souza, como a Igreja São Pedro na rua Moises Marx, que tinham espaços
destinados a acolher e propiciar atividades aos jovens, brincares coletivos, teatro, e uma série de outras atividades.
Podem dizer que isso nada mais é que olhos voltados para o
passado, se assim fora não me angustiaria, mas é exatamente por voltar os olhos para os meus dias e tentar
ver em linha vertical o amanhã...
Quantas de nossas crianças de até quinze anos colheu alguns dos frutos
maduros em suas árvores, quantos deles podem brincar até as oito ou nove horas
da noite em suas ruas sem que corram riscos.
Talvez devesse me recolher na minha insignificância da terceira idade, me reunir para discutir os
achaques, ficar numa roda de portadores de pressão alta para discutir os remédios,
as mezinhas mais eficazes, caminhar cabisbaixo por aí, evitando cruzar com os
mais jovens para não correr o risco de cair com um encontrão, e aceitar sem me revoltar as misérias dos “benefícios
que me são atirados pelas autoridades” como não pagar ônibus, receber, quando
tem os remédios que os bondosos governantes nos dão.
Querem saber, está na hora de me recolher a um asilo e
esperar a misericórdia de Deus, para desembarcar do mundo.
Tenho, por acaso, encontrado dentro de um velho livro, um
texto manuscrito por meu saudoso pai, hoje em um papel amarelado e muito frágil, onde leio o seguinte texto de
um velho hino:nada ufanista como os de hoje, mas leiam:
“Quando afinal, em resplendor e glória /Jesus abrir as porta
da mansão,/Eu quero estar de joelhos entre os santos,/Na mais humilde e vera adoração.”
Vou parar por aqui,
já que não estou conseguindo ver o que estou escrevendo na tela desta máquina
lindamente maluca.
Saibam todos os que
lerem estas coisas, meu tempo é hoje, aqui e agora; o passado é a doce satisfação de ter vivido, o futuro é a esperança
expressa pelo hino acima transcrito, mas é também uma angustia dura e surda
pelo futuro de nossas crianças neste mundo de desamor.
Um barão
lacrimejante, mas que tem a certeza absoluta de que:
V.D.M.I.Ae.
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