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sábado, 26 de janeiro de 2013

Lembranças de um velho cutruca


Oi minha gente, estou aqui diante desta máquina maravilhosa, que nos permite em um átimo viajar de polo a polo desta magnífica nave espacial, que muitos teimam em chamar de terra, quando para fazer justiça à maioria, deveria chamar-se mar, deixa isso para lá, bem estou aqui digitando umas coisitas que me ocorreram enquanto tomava meu café da manhã vendo uma série de comerciais na televisão.
Diante do que vi nessa maquina de fazer doidos, ou imbecis, fui atirado para lá de sessenta e cinco órbitas terrestres (A) no passado. (não usei a frase transportado temendo que algum crentense pudesse agregar um grória ou aleluia ao texto).
Fui posto a pensar e a constatar como os tempos mudaram.
Lembrei-me de um dia lá no longínquo passado, jovenzinho franzino de uns sete anos, acabado de tomar o banho de canequinha, enxugando o corpo com uma toalha macia e acariciante do mais puro tecido de algodão, penteando o cabelo castanho dourado com umas gotas de Glostora, até do perfume me lembrei, preparando-me que estava para sair com minha mãe para comprar o material escolar.
De posse da lista e de algum dinheiro na bolsa, minha mãe me alertou para não escolher os cadernos mais caros, mas comprar os melhores que nosso pouco dinheiro podia pagar.
Não estava eu preocupado com os materiais mais caros, mas em obter os materiais que eu poderia dizer que seriam meus, exclusivamente meus, e fomos a pé para a Penha de França, o bairro vizinho ao nosso onde se concentrava o comercio da região.
Ocorrem-me ainda hoje, tantas órbitas terrestres depois, ainda a memória visual dos cadernos, como se dizia então de capa mole, capa essa em azul claro/escuro, ou em amarelo, em quadradinhos que lembravam a toalha de mesa de nossa cozinha, que desde logo me chamaram a atenção e que eu fiz questão de levar.
A borracha, branquinha suave ao tato, o lápis número dois, minha mãe comprou logo doze, para não ter que ficar andando tanto quando fosse necessário outro; papel celofane para encapar os materiais, e a Cartilha Sodré, através qual eu iria penetrar no misterioso, até então para mim, mundo da leitura.
Paga a conta, que minha mão agradeceu a Deus em alta voz, não ter sido tão dispendiosa como julgara, recebi das mãos de uma linda balconista, já era observador desde então, os dois embrulhos de papel pardo amarrados com um lindo barbante colorido e então me senti o mais poderoso e orgulhoso carregador, daquilo que refutava de o meu tesouro.
Chegados em casa a primeira coisa que fiz foi correr para a mesa da cozinha e abrir os pacotes com cuidado como acentuava minha mãe com uma voz de sargento orientando a tropa (eu).  O que fiz a seguir foi comparar o desenho de meus cadernos com a toalha da referida mesa, o desenho era igualzinho, só em tamanho menor.
Apanhei nas mãos cada um dos itens, olhando-os com um carinho desmedido, e naquela idade já devaneava com o mundo que eles iriam me ajudar a desvendar, enquanto assim agia, sentia um delicioso odor daqueles materiais que de tal maneira se impregnou na memória que hoje sessenta e tantas órbitas depois ele ainda permanece ativo em minha memória olfativa.
Foi então que minha mãe me apresentou o objeto que iria me ajudar a levar e trazer tais materiais à escola, um embornal, (1) de brim caqui que possuía uma tira ajustável para carrega-lo aos ombros, incontinente e impaciente coloquei meus cadernos dentro do embornal e fiz com que minha mãe ajustasse a tira a meus ombros.
Naquela noite e nas seguintes, ia dormir, não sem antes conferir meus cadernos, lápis e demais coisas, sonhando a seguir com minha chegada a escola com o lindo embornal feito por minha mãe contendo o lindo material escolar que era meu tesouro...
Como fui lançado há tanto tempo atrás para esse devaneio?
Já não disse ali acima?
A sim, uma bateria de publicidade de começo do ano letivo, sim, um exaltava uma mochila com carrinho contendo imagens de uns zumbis, caveiras e personagens pálidos de uma série televisiva; outra propaganda chamava a atenção para carros de corridas com mochilas e cadernos de veículos, com bonés de corredores de automóveis; a outra propaganda de mochilas cadernos estojos e outras coisas de uma boneca magricela com poses de modelos fotográficas etc etc.
E querem saber a verdade? Senti pena destes jovenzinhos de hoje, pois eu mesmo constatei; esse material escolar não lhes propiciará em um futuro próximo vindouro uma recordação de seus primeiros dias escolares, esse material tem odor de tinta, e me parece que quase nenhum desses jovenzinhos modernosos, admira seus livros, que nem isso é, e sim apostilas; dos modernos materiais escolares os únicos que mantém o odor de antanho são: a borracha de apagar, e o lápis de cor, em quase tudo ainda iguais a aqueles de ontem, que esses jovenzinhos já não usam substituindo-os por tal de errorex, e canetinhas hidrocor que cheiram a solvente de tinta.
Imagino que dentro de sessenta e poucos anos no futuro um velhinho caquético tudo o que devera recordar é quantos megabits tinha o céu celuleptotabletipoiped tinha a mais que seu inimig, digo, amiguito, e a poluição sonora, visual, intelectual estarão tão avançada que no máximo se lembrarão da marca do carro com que ia a escola, isso se o tal Alzheimer não lhes cobrar o preço ai pelo trinta anos de idade.
Pobres crianças modernosas, Deus tenha piedade de todos nós incluído nisso este velho cutruca. (2)
Saibam desde já todos os que se atrevem a ler estas sandice até aqui que:
V.D.M.I.Ae.


        (A)     Mania do Barão em se referir a anos de vida, já que um ano corresponde a uma órbita da terra ao redor do sol, menos seis horas e alguns minutos.
        (1)    Embornal = s. m. 1. Saco de pano ou couro para provisões, ferramentas etc.
        (2)    Cutruca =Sujeito ignorante.