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quarta-feira, 10 de abril de 2013

Hipocrisia: O politicamente correto


Em outro espaço, recentemente escrevi que estou vivendo um momento particularmente, angustiante, não por razões familiares e ou pessoais, mas exatamente pela quantidade de órbitas terrestre percorridas.
A saúde vai bem , portanto nem nesse departamento  se origina essa angustia, ela é fruto direto da possibilidade de poder ver a vida principalmente a na qual estamos inseridos, em um corte vertical.
Vou tentar explicar; eu nasci no século passado , no qual vivi cerca de cincoenta e tantas órbitas,  quando digo vivi, quero dizer que não deixei a vida passar por mim, mas estava inserido nessa vida. Desde muito cedo não conseguia entender que alguém doente, para se curar deveria pagar e caro o necessário remédio.
Lembro-me desse período, que meu pai, precisando de dinheiro para comprar o almejado terreno para construir  sua casa, recebeu de um amigo o valor do dito terreno, para pagar como pudesse, até aí tudo bem, mas via também todo o mês meu  pai, logo do recebimento do seu salário, separar o dinheiro para pagar o dito empréstimo, e nós vivíamos com o que sobrava do dito salário, o que nos obrigava a criar galinhas, vender seus ovos, plantar no terreno legumes e temperos que eram vendidos pela vizinhança, para reforçar a renda e ao mesmo tempo ter carne, ovos e legumes para reforçar nossas refeições.
Ao longo  desse período de vida,vi as mudanças, tanto no aspecto respeito e educação, tanto quanto nos deveres que tínhamos, para com os nossos professores, os mais velhos, o pároco o pastor,  se irem degradando a um ponto em que os nossos deveres se transmudaram em nossos direitos.
Os políticos se transmudarem de tribunos, em  arrotadores de asneiras e ou sandices, especialistas em falarem o que o povo quer ouvir, adaptando suas falas aos estratos sociais em que se encontram; o respeito, o interesse coletivo  transformado em interesse de classes e ou individuais.
Agora que estou no tempo  em que os idiotas chamam, de forma politicamente correta de terceira idade,  fico enchouriçado  com essa quantidade de leis; lei para não cuspir na rua, lei para a proteção do idoso, lei para a proteção do nascituro, lei da Maria da Penha para proteger a mulher da agressão do marido, companheiro ou eventual, lei da Débora Secco, para proteger as pessoas de terem suas idiotices armazenadas em computadores e ou telefones celulares roubadas por expertos.
Antanho tínhamos  somente o Código Penal onde todas essas violações estavam previstas, e se o indigitado desrespeitasse um idoso, se não sofria pena de perda de liberdade, sofria a sanção social do seu meio sendo por todos apontado com um refinado malcriado, e  não sendo convidado para festas e ou eventos da comunidade.
E pó aí vai, eu como velho não quero filas especiais, nos bancos, nos cartórios, não quero caixas especiais nos mercados, nas farmácias, não quero bancos especiais nos ônibus, não quero passagens  e  ou entradas gratuitas em nenhum desses lugares, quero continuar a ser tratado com o mesmo respeito que tinha aos  trinta anos, não quero benesses  promovidas por essa enorme hipocrisia chamada  “Politicamente correto”.
Sou velho, já não falo em anos vividos, mas em órbitas percorridas, mas sou velho, não deixei a vida esvair  pelos dedos, a usufrui, quando pequeno, lambuzei a boca com mangas colhidas na hora, comi amoras, goiabas, pitangas, peras, laranjas, carambolas, jambo, cajás-manga, nêsperas, figos,  Maria pretinha (vejam a hipocrisia, hoje deveria dizer  Maria Afro descendente), ingás, jatobás, de cujos caroços fiz muitos anéis, milho verde assado nas fogueiras que fazíamos com gravetos recolhidos aqui e ali. Chupei muito limão com sal, estudei em uma escola, D.Zalina Rolim aonde os professores, para nós eram pessoas idolatradas por sua postura e pelo amor que tinham por seu trabalho e por nós seus alunos.
Empinei muitos quadrados nas tardes friorentas do outono, joguei muita bolinha de gude, joguei muito pião, comi muito pinhão  cozido, muita batata doce assada nas brasas das fogueiras  junjnas,  mas nunca desrespeitamos, tanto eu como meus colegas,aos mais velhos, sequer o Zéca, um descapacitado, que não ofendia ninguém era prestativo, ajudando as senhoras mais velhas  para carregar suas cestas de compras, no seu retardo, um  profeta, pois pegava  latas de sardinha furava em uma se suas laterais, e falava nelas como hoje fazemos com nossos celulares.
Tínhamos espaço em nossas igrejas para atividades sociais, tanto a  Metodista ali no começo da Rua Edgar de Souza, como a Igreja São Pedro na rua Moises Marx, que tinham espaços destinados a acolher e propiciar atividades aos jovens,  brincares coletivos, teatro, e uma série  de outras atividades.
Podem dizer que isso nada mais é que olhos voltados para o passado, se assim fora não me angustiaria, mas é exatamente  por voltar os olhos para os meus dias e tentar ver em linha vertical o amanhã...
Quantas de nossas crianças de  até quinze anos colheu alguns dos frutos maduros em suas árvores, quantos deles podem brincar até as oito ou nove horas da noite em suas ruas sem que corram riscos.
Talvez devesse me recolher na minha insignificância  da terceira idade, me reunir para discutir os achaques, ficar numa roda de portadores de pressão alta para discutir os remédios, as mezinhas mais eficazes, caminhar cabisbaixo por aí, evitando cruzar com os mais jovens para não correr o risco de cair com um encontrão,  e aceitar sem me revoltar as misérias dos “benefícios que me são atirados pelas autoridades” como não pagar ônibus, receber, quando tem os remédios que os bondosos governantes nos dão.
Querem saber, está na hora de me recolher a um asilo e esperar a misericórdia de Deus, para desembarcar do mundo.
Tenho, por acaso, encontrado dentro de um velho livro, um texto manuscrito por meu saudoso pai, hoje em um papel amarelado  e muito frágil, onde leio o seguinte texto de um velho hino:nada ufanista como os de hoje, mas leiam:
“Quando afinal, em resplendor e glória /Jesus abrir as porta da mansão,/Eu quero estar de joelhos entre os santos,/Na mais humilde e vera adoração.”
Vou parar por aqui, já que não estou conseguindo ver o que estou escrevendo na tela desta máquina lindamente maluca.
Saibam todos os que lerem estas coisas, meu tempo é hoje, aqui e agora; o passado é a doce satisfação  de ter vivido, o futuro é a esperança expressa pelo hino acima transcrito, mas é também uma angustia dura e surda pelo futuro de nossas crianças neste mundo de desamor.
Um barão lacrimejante, mas que tem a certeza absoluta de que:
V.D.M.I.Ae.