Oi minha gente, estou aqui diante
desta máquina maravilhosa, que nos permite em um átimo viajar de polo a polo
desta magnífica nave espacial, que muitos teimam em chamar de terra, quando
para fazer justiça à maioria, deveria chamar-se mar, deixa isso para lá, bem
estou aqui digitando umas coisitas que me ocorreram enquanto tomava meu café da
manhã vendo uma série de comerciais na televisão.
Diante do que vi nessa maquina de
fazer doidos, ou imbecis, fui atirado para lá de sessenta e cinco órbitas terrestres
(A) no passado. (não usei a frase transportado temendo que algum crentense
pudesse agregar um grória ou aleluia ao texto).
Fui posto a pensar e a constatar
como os tempos mudaram.
Lembrei-me de um dia lá no longínquo
passado, jovenzinho franzino de uns sete anos, acabado de tomar o banho de
canequinha, enxugando o corpo com uma toalha macia e acariciante do mais puro
tecido de algodão, penteando o cabelo castanho dourado com umas gotas de
Glostora, até do perfume me lembrei, preparando-me que estava para sair com
minha mãe para comprar o material escolar.
De posse da lista e de algum
dinheiro na bolsa, minha mãe me alertou para não escolher os cadernos mais
caros, mas comprar os melhores que nosso pouco dinheiro podia pagar.
Não estava eu preocupado com os
materiais mais caros, mas em obter os materiais que eu poderia dizer que seriam
meus, exclusivamente meus, e fomos a pé para a Penha de França, o bairro
vizinho ao nosso onde se concentrava o comercio da região.
Ocorrem-me ainda hoje, tantas
órbitas terrestres depois, ainda a memória visual dos cadernos, como se dizia
então de capa mole, capa essa em azul claro/escuro, ou em amarelo, em
quadradinhos que lembravam a toalha de mesa de nossa cozinha, que desde logo me
chamaram a atenção e que eu fiz questão de levar.
A borracha, branquinha suave ao
tato, o lápis número dois, minha mãe comprou logo doze, para não ter que ficar
andando tanto quando fosse necessário outro; papel celofane para encapar os
materiais, e a Cartilha Sodré, através qual eu iria penetrar no misterioso, até
então para mim, mundo da leitura.
Paga a conta, que minha mão
agradeceu a Deus em alta voz, não ter sido tão dispendiosa como julgara, recebi
das mãos de uma linda balconista, já era observador desde então, os dois
embrulhos de papel pardo amarrados com um lindo barbante colorido e então me
senti o mais poderoso e orgulhoso carregador, daquilo que refutava de o meu
tesouro.
Chegados em casa a primeira coisa
que fiz foi correr para a mesa da cozinha e abrir os pacotes com cuidado como
acentuava minha mãe com uma voz de sargento orientando a tropa (eu). O que fiz a seguir foi comparar o desenho de
meus cadernos com a toalha da referida mesa, o desenho era igualzinho, só em tamanho
menor.
Apanhei nas mãos cada um dos
itens, olhando-os com um carinho desmedido, e naquela idade já devaneava com o
mundo que eles iriam me ajudar a desvendar, enquanto assim agia, sentia um delicioso
odor daqueles materiais que de tal maneira se impregnou na memória que hoje
sessenta e tantas órbitas depois ele ainda permanece ativo em minha memória olfativa.
Foi então que minha mãe me
apresentou o objeto que iria me ajudar a levar e trazer tais materiais à
escola, um embornal, (1) de brim caqui que possuía uma tira ajustável para
carrega-lo aos ombros, incontinente e impaciente coloquei meus cadernos dentro
do embornal e fiz com que minha mãe ajustasse a tira a meus ombros.
Naquela noite e nas seguintes, ia
dormir, não sem antes conferir meus cadernos, lápis e demais coisas, sonhando a
seguir com minha chegada a escola com o lindo embornal feito por minha mãe
contendo o lindo material escolar que era meu tesouro...
Como fui lançado há tanto tempo
atrás para esse devaneio?
Já não disse ali acima?
A sim, uma bateria de publicidade
de começo do ano letivo, sim, um exaltava uma mochila com carrinho contendo
imagens de uns zumbis, caveiras e personagens pálidos de uma série televisiva; outra
propaganda chamava a atenção para carros de corridas com mochilas e cadernos de
veículos, com bonés de corredores de automóveis; a outra propaganda de mochilas
cadernos estojos e outras coisas de uma boneca magricela com poses de modelos fotográficas
etc etc.
E querem saber a verdade? Senti
pena destes jovenzinhos de hoje, pois eu mesmo constatei; esse material escolar
não lhes propiciará em um futuro próximo vindouro uma recordação de seus
primeiros dias escolares, esse material tem odor de tinta, e me parece que
quase nenhum desses jovenzinhos modernosos, admira seus livros, que nem isso é,
e sim apostilas; dos modernos materiais escolares os únicos que mantém o odor de
antanho são: a borracha de apagar, e o lápis de cor, em quase tudo ainda iguais
a aqueles de ontem, que esses jovenzinhos já não usam substituindo-os por tal
de errorex, e canetinhas hidrocor que cheiram a solvente de tinta.
Imagino que dentro de sessenta e
poucos anos no futuro um velhinho caquético tudo o que devera recordar é
quantos megabits tinha o céu celuleptotabletipoiped tinha a mais que seu
inimig, digo, amiguito, e a poluição sonora, visual, intelectual estarão tão
avançada que no máximo se lembrarão da marca do carro com que ia a escola, isso
se o tal Alzheimer não lhes cobrar o preço ai pelo trinta anos de idade.
Pobres crianças modernosas, Deus
tenha piedade de todos nós incluído nisso este velho cutruca. (2)
Saibam desde já todos os que se
atrevem a ler estas sandice até aqui que:
V.D.M.I.Ae.
(A)
Mania do
Barão em se referir a anos de vida, já que um ano corresponde a uma órbita da
terra ao redor do sol, menos seis horas e alguns minutos.
(1)
Embornal = s. m. 1. Saco de pano ou couro para
provisões, ferramentas etc.
(2)
Cutruca =Sujeito ignorante.
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