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sábado, 4 de fevereiro de 2012

Brincadeiras a sério, ou Lembranças hoje do ontem ou ainda tertúlia da saudade.

(re edição)
Sábado à noite, quase hora de ir dormir, eis que minha neta veio até mim e sem mais fez uma pergunta quase que solta
--Vô houve algum brasileiro que se destacou ou fez alguma coisa importante?
Respondi-lhe que muitos brasileiros se destacaram em feitos importantes, falei de Santos Dumont, dando dirigibilidade aos balões, criando o avião o primeiro a voar por meios próprios, o Demoiselle, o ultraleve de então, usado por ele como meio de transporte para seus passeios por Paris... E como só os jovens sabem ser, fui contestado:
Mas ele não fez isso no Brasil, fez la na França, daí surgiu uma discussão de que pouco importa o local, mas quem o fez...
Citei a importância de César Lates, dos trabalhos de Oswaldo Cruz, tentando destacar algumas grandes contribuições desses nomes à cultura e ciência mundial... mas como os jovens insatisfeitos, novas contestações, e eu acabei por desafiá-la a buscar na internet, não jogos, mas a pesquisa desses nomes, para sentir o que outros registraram a respeito, inopinadamente lá vem outra pergunta:
-Vô quando você era jovem, como você e seus amigos se divertiam? Já emendou outra pergunta a essa: Você tinha muitos amigos?
Ao iniciar a satisfazer-lhe a curiosidade extemporânea em razão do avançado da hora, acrescentei que a sua forma de perguntar me fazia sentir um verdadeiro tiranossauro – quando você era jovem – com seu pedido de desculpas ambos rimos...
Mas lhe contei que ali na periferia de São Paulo – Vila Aricanduva – tinha cinco ou seis amigos, e morávamos na mesma rua. Eu morava na esquina da Rua Edgar de Souza com rua Rodeio, a casa que meu pai construiu está lá ate o dias de hoje, e mesmo a casa que eu construí nos fundos do quintal, ainda está lá quase do mesmo jeito- e viva o Google-Street.
Mas voltando à resposta; lembrei-me dos amigos mais chegados, o Vílson, assim mesmo com V, o Roberto que era tio do Vílson, embora mais novo três anos, o Espanhol, cujo nome não me ocorre a sessenta anos desses dias, O Dadão, - Eduardo, o Orestes, o Dácio, afora o Ico-Francisco e seu irmão a Batatinha, cujo nome também não me recordo.
Isso colocado iniciei a explicação de que nos divertíamos muito, alem da escola, que tínhamos o prazer de frequentar, por verdadeiramente ser ela  risonha e franca; mas lembrei-me das tardes em que empinávamos quadrados, hoje chamados de pipa, naqueles dias este nome era destinado a quadrados de grande tamanho.
Nós nos divertíamos nessa atividade, pois construíamos nossos próprios quadrados, desde a escolha do bambu para a confecção das varetas, não podia ser seco demais nem verde, pois os primeiros quebravam facilmente e os segundos vergavam com muita facilidade.
Expliquei a minha neta as várias formas que dávamos a essa pipas, vou usar este nome por ser mais facilmente identificado hoje com o objeto-.
Fazíamos o que era padrão o de três varetas -ver desenho anexo- uma pipa em formato de avião, a pipa navio, a arraia e os coadores pipas essas que voavam sem rabiola.
Rabiola era uma tira de pano fino, cortado em tiras estreitas destinada a dar estabilidade à pipa, falei-lhe das formas de amarração dos estirantes e a formas de dimensioná-los, sem o que as pipas não voariam estáveis.
Passávamos horas nessas atividades de confecção, na escolha dos desenhos, cores, nos cuidados na colagem dos papeis nas pipas procurando evitar desequilibrá-las na distribuição de peso e muitos outros cuidados e esmeros...
Tudo isso feito íamos aproveitar os ventos e passar horas a empiná-las, não existiam as disputas para cortar linhas dos outros, com os riscos que vemos vez por outras nos jornais, causando inclusive algumas mortes; divertíamos-nos pelas habilidades em fazer manobras com as pipas, fazendo-as cabecear a esquerda, ou à direita, descair, como se a linha estivesse cortada, fazendo os desavisados correrem para pegar a pipa que caia.
Questionado se essa era a única citei muitas outras, como jogar pião, a brinca como dizíamos ou a ganho, a primeira o prazer era rodar o pião e tirar outros da roda apenas, a outra forma a ganho, quando tirávamos o pião da roda nos apropriarmos dele.
Para jogar ou rodar pião, fazíamos um círculo no chão de terra com um raio de mais ou menos uns oitenta centímetros, assim como um passo largo, aonde dentro do círculo, cada jogador colocava um pião, sorteada a ordem de jogadores, ou pondo dedos e contando, que caísse no número de dedos expostos saía da contagem, determinado a ordem de jogar;
O objetivo era arremessar o pião e com ele tirar do círculo os piões ali colocados, para a validade da jogada, o pião arremessado deveria rodar em pé por alguns segundos, pelo menos.
Falei a minha neta das bolinhas de gude - pequenas bolas de vidro colorido, que nós os garotos gostávamos de colecionar, quem tinha poucas tinha no mínimo cinquentas, sempre escolhidas a dedo, pelas cores e desenhos feitos pelos vidros de cores diferentes, além das escolhidas para serem as favoritas para jogar, escolhidas por sua perfeita esfericidade, pelo peso e tamanho – a menores e mais pesadas eram as melhores, pois dificultavam as estecadas como chamávamos as caramboladas, ou ainda as batidas entre bolinhas. Ah! Os jogos existiam na de box, que era um jogo desenvolvido em um chão de terra batida e plano pelo menos nas proximidades dos boxes, quando não tínhamos o local plano necessário, nós apanhávamos enxada, pá e outras ferramentas e construíamos em um canto da rua sossegado o plano necessário.
Os boxes eram pequenos buracos feitos com uma arruela e outro objeto arredondado com um diâmetro um pouco maior que as bolas de gude e com uma pouca profundidade.
A construção dos boxes comportava quatro boxes -buracos- arrumados em forma de L, três em linha e um em ângulo reto; o inicio do jogo se dava pela escolha da ordem dos jogadores e era feita com o arremesso da bolinha a partir do ângulo reto dos boxes em direção ao primeiro box que era o primeiro da linha de três opostos ao ângulo reto, se classificava como primeiro aquele que colocava a bola no box ou o que mais se aproximava dele, e assim se classificavam os demais tendo como distancia o parâmetro, sendo o mais distante o último a jogar.
As regras eram colocar as bolas de gude nos boxes, obedecendo à ordem do primeiro, até o quarto.
Quando era atingido o quarto box, o da perna do L o jogador retornava ao primeiro e iniciava a volta ao quarto box, quando atingia o segundo box de retorno ganhava o direito de atingir os adversários para longe para dificultar seu avanço, esse retorno, chamava de matança, assim eram denominados os boxes, primeiro de matança, segundo de matança, terceiro de matança e o de matança, o quarto box, quem aí chegasse tinha o direito de matança.
Assim quando quem estava com esse direito atingia a bola de gude de outro jogador este era eliminado, se todos atingissem o quarto de matança o jogo se desenvolvia por todo o espaço ao redor dos boxes, sendo obrigatória a tentativa de atingir um dos adversários, sendo proibido o jogador da vez arremessar sua bola para longe dos adversários para fugir das dificuldades do terreno
Existiam algumas regras como pedido de vantagens, como limpinha, quando se pedia para mudar a posição de jogo, ou tirar algum obstáculo da frente da bola que se quisesse atingir, que poderia ser negada desde que o dono da bola tivesse dito antes do referido pedido – não dou nada – isso obrigava aos participantes do jogo de gude ficar atentos as jogadas.
Esse brincar, às vezes acabava durando horas.
Outra forma de jogar bolas de gude era o de cela, fazia-se um círculo de mais ou menos um passo de diâmetro, cada participante colocava no centro da cela o número de bolinhas combinadas, quase sempre de uma a quatro, quase nunca mais, para isso eram descartadas as bolinhas com pequenas lascas ou as bolinhas não muito perfeitas quanto à esfericidade, a ordem dos jogadores era sorteada a partir da cela para a linha de lançamento, e a classificação era feita a partir da distancia da bolinha arremessada da linha demarcada.
O jogo de bolinha de gude nessa modalidade era desenvolvido jogando-se a bolinha em direção da sela com o objetivo de retirar de dentro do círculo o maior número de bolinhas possíveis, que iriam pertencer a quem conseguisse, se o jogo fosse a ganho, caso contrario o jogador limitava-se a tirar o número de bolas que havia casado no inicio do jogo. Caso a bolinha jogada ficasse dentro do círculo, sem conseguir retirar nenhuma o jogador ficava fora das jogadas, caso não houvesse previamente estabelecido que cada jogador pudesse ter duas bolas de jogo. Caso o jogo fosse a brinca, no final recuperaria sua bolinha retida, se fosse a ganho perderia inclusive essa bolinha.
Outra diversão era devida a coleção de figurinhas de jogadores de futebol, que naquela época vinha embalada em pequenas balas, os álbuns para a colocação das figurinhas eram distribuídos gratuitamente, inclusive como forma de incentivar a compra das balas, que eram de muito baixo custo relativo, já que com dez centavos comprávamos cem balas.
As figurinhas vinham de forma muito repetida, o que ocasionava um número muito grande de figurinhas que eram usadas para jogar, o que chamávamos de jogo de Bafa ou Abafa.
Esse jogo constitua-se colocar – casar – um número de figurinhas previamente combinadas sobre o solo preferencialmente plano, com a imagem do jogador voltada para o solo, e sorteado a ordem de jogada com a contagem de dedos, e se eliminado os jogadores pela contagem desse número, sendo estabelecida a ordem pela saída do jogador.
O jogo consistia em usando a mão em forma de concha, bater sobre as figurinhas e elevando a mão rapidamente, provocando um vácuo e fazendo as figurinhas casadas voarem, as que caíssem com a imagem do jogador para cima, elas pertenciam ao jogador, voltando-se a organizar as demais e assim procedia ao segundo jogador.
A jogada terminava quando não mais existissem figurinhas com a imagem voltada para baixo.
Conforme o previamente combinado, se o jogo fosse a brinca, ou a ganho, no primeiro caso o jogador ficava com o número de figurinhas houvera previamente casado, devolvendo as que não lhe interessado e retendo as que ainda não possuía em seu álbum, no segundo caso ficava com todas as figurinhas que havia conquistado.
Existiam, disse eu a minha neta muitos outros brincares que fazíamos principalmente o inicio das tardes e ou até, quando era verão, até bem tarde da noite, quando então brincávamos na rua na frente da casa de nossos amigos sob os olhares e cuidados de nossos pais que ficavam a conversar, quase sempre sobre nossas próprias travessuras.
Disse a minha neta que éramos muito felizes na simplicidade de nossas brincadeiras e de nossas vidas livres das ameaças hoje tão presentes nas vidas de nossas crianças, para quem a rua hoje é somente ameaças e riscos.
Não é saudade da infância, coisa de velho, mas uma triste constatação, muito triste mesmo, de um velho que Deus permite ter uma memória quase fotográfica daqueles dias de sessenta e poucos anos atrás Vamos dormir, pois já está quase se fazendo manhã, um tanto chuvosa deste domingo.
Minha neta, abraçando-me disse:
Boa noite vô.
-Boa Noite minha neta, Deus te abençoe...
Enxuguei algumas lágrimas, apaguei a luz, dirigi-me ao quarto, refugiei-me no calor do cobertor, e pedi a Deus que nos olhasse com muita misericórdia, a nós e aos nossos amigos, de ontem, separados pela vida, mas tão perto aqui em nossa memória...
Louvado seja Deus que nos tem permitido às setenta e duas órbitas terrestres ter ainda uma memória vívida e saudosa de uma infância  de pés no chão,muito feliz.
V.D.M.Ae.

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